terça-feira, 19 de maio de 2020

«Porque me chamam Gaivota?»


Maria Rosa Colaço em 1982 publicou um conto sobre o "Gaivota", com o mesmo título. "Gaivota" era um rapazola de Cacilhas, que cresceu paredes meias com o Tejo. Deixo aqui uma pequena transcrição, onde ele esboça a sua "história de vida"...

«[...] Porque me chamam "Gaivota"?
Está mesmo a ver-se... Tenho passado entre os barcos e o Tejo, em cima deste paredão, correndo e escorregando nestas pedras húmidas, mais de metade da minha vida: às vezes, até a pele me sabe a sal.
Ando nisto desde que o meu pai morreu; ajudo um e outro, vendo jornais, pensos, aprendo bocados de palavras de outras terras; invento ruas de outros países quando vejo os estrangeiros de cabelos amarelos e  dinheiro nos bolsos, a comer camarão e lagosta: vivo!
Como tenho a mania de andar em cima desta parede, de asas abertas, como as gaivotas, um dia começaram a chamar-me "Gaivota" e "Gaivota" fiquei. O meu nome é Alfredo. Mas isso não interessa porque ninguém o sabe e Gaivota, afinal, é o que eu queria ser. De verdade, pois! Asinhas a dar-a-dar; peixinho fresco e, lá em cima, lá em cima no vento, no azul, avião-sem-motor, namorado das ondas, sol morno nas costas, dono do Tejo, dono de mim, bicho livre! [...]»

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)

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