terça-feira, 30 de novembro de 2021

("Afinal")


21.

A palavra «Tágide» vem de um tempo antigo (pastoras, flautas, canções, águas sossegadas) sem esquecer que os bons dicionários  a referem como  «Ninfa do Tejo».
Hoje ainda há «Tágides» na febre da cidade, na pressa para coisa nenhuma, no ruído que esconde as palavras.
Afinal, esse tempo antigo permanece na força de um olhar que separa a terra da água.

[José do Carmo Francisco, in "Afinal"]

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, 21 de novembro de 2021

"Voltar à Infância"


«Quando apanhou o cacilheiro no Cais Sodré e se viu no meio do rio, recordou-se da meninice passada rente ao Tejo, nas brincadeiras diárias que fazia ao longo do Ginjal com os amigos, por entre os operários das várias indústrias que davam vida aquele lugar tão aprazível.

Vieram-lhe à memória dois ou três rostos de amigos mais chegados. O que seria deles, vinte e muitos anos depois? Talvez não os reconhecesse às primeiras, sabia o quanto a vida gostava de nos mudar por dentro e por fora...

Deixou as pessoas irem saindo, enquanto olhava pela janela do cacilheiro o que podia ver de Cacilhas e do Ginjal. Depois desceu as escadas e saiu calmamente para terra. Primeiro espreitou o Ginjal. Estranhou ser recebido por placas informativas colocadas pelo Município, que eram no mínimo alarmantes, pois identificavam várias casas e armazéns em perigo de ruir. Ficou com uma vontade enorme de seguir por aquele caminho quase proibido, mas ao olhar o relógio, achou que era melhor ideia este passeio ficar para depois do almoço.

Percorreu com alguma emoção o Largo de Cacilhas e depois entrou na Rua Cândido dos Reis. Olhou para os vários restaurantes, ainda sem se decidir onde iria comer uma caldeirada de peixe. Tinha prometido a si mesmo só parar rente ao número 27.» 

(começo de um texto inédito escrito no final do século XX)

[Luís (Alves) Milheiro]

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)