sexta-feira, 15 de novembro de 2024

"Pombalesca"


"Pombalesca"

Os pombos sabem História...
Guardam na memória
Quem refez Lisboa.
Em cada cornija, em cada beiral,
Tagarelando p' las ruas à toa,
Cada pombo, que a sobrevoa, 
Sabe que Lisboa
É um pombal!

Um pombinho, que no Rossio
Anda com outros a desafio,
Petiscando migalhas
Que lhe atira uma menina,
Sabe que, do Rio até às muralhas, 
Lisboa, cidade genuína,
Com seus beirais e cimalhas,
Ficou pombalina!...

[Rui Palma Carlos, in "Lisboética e outros poemas"]

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

"Não sentes o cheiro a maresia?"

 


«Não sentes o cheiro a maresia?  O Tejo, pois minha flor, cantado por poetas e vagabundos, marginais e aventureiros, que, afinal, são uma e a mesma pessoa. Milagres? Só o santo, querida! O Sant ‘Antoninho que também protegia os namorados, repara como ele está bonito e bem humano, nesse altar ingénuo.»

 

                                                           [Eduardo Guerra Carneiro, “Sete”, 20 Jun 79]


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, 20 de outubro de 2024

"Convém não esquecer o brilho do Tejo..."


«Convém não esquecer o brilho do Tejo que aparece por entre uma viela, um beco, umas escadas, do cimo de um adro de igreja. Peregrinar, como diria o mestre, é afinal divagar. No café da D. Teresa “flippers” a piscarem luzinhas e a darem bip-bip, as cerimónias do Dia de Portugal lá em cima nas terras da tua infância, um metalúrgico-fadista que não chegou a cantar o fado pois as senhoras queriam ver a TV e as variedades, zangado comigo por querer ir-me embora, uma sopa bem quente para cortar a ressaca.»

 

                                                           [Eduardo Guerra Carneiro, “Sete”, 20 Jun 79]


 (Fotografia de Luís Eme - Lisboa)



segunda-feira, 30 de setembro de 2024

"Os Montes Claros"...


«Os Montes Claros tornaram-se o lugar de eleição de Kaloust, O Chauffeur levava-o com regularidade para uma clareira de onde o magnata, sentado por baixo de uma acácia, permanecia horas a contemplar o estuário do Tejo em toda a sua largura por cima da copa das árvores, com as colinas da outra margem recortadas a cinzento acima do horizonte azul.»

[José Rodrigues dos Santos, in "Um Milionário em Lisboa"]


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

"A larga bacia resplandecente do Tejo"


«A larga bacia resplandecente do Tejo estendia-se em frente à cidade, à esquerda, como um vasto piso de mármore espelhado por onde os cacilheiros da Parceria dos Vapores Lisbonenses  deslizavam com preguiça de tartaruga, enquanto Almada espreitava na outra margem. O Sol deitava-se já num prenúncio de crepúsculo, rasgando o céu em aguarelas vermelhas e lilases e arrancando ao arménio um suave suspiro de nostalgia.»

[José Rodrigues dos Santos, in "Um Milionário em Lisboa"]


(Fotografia de Luís Eme - Tejo)


sábado, 10 de agosto de 2024

"O ar, a cor, a luz..."


«O ar, a cor, a luz... A maneira como a cidade se foi adaptando à orografia, tornando-se barroca no sentido das perspetivas inesperadas. Vai-se na Rua da Escola Politécnica, olha-se para a esquerda e tem-se o Tejo lá em baixo. É também barroca no sentido da surpresa, é feita de pequenos recantos onde tudo se encaixa. Isto é das coisas que mais me encanta. E a luz, claro, que tem a ver com a sorte de apanhar o vento norte que limpa tudo e fica só a reflexão da bacia do mar da Palha. Neste aspeto, Lisboa tem uma condição única. Tem o mar à frente. Só é comparável a Istambul.»

[José Sarmento de Matos, in "E (Expresso)", 6 de Maio de 2017]


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, 28 de julho de 2024

"O Tejo quando ainda tinha fragatas..."

 

«O Tejo quando ainda tinha fragatas a passearem-se pelas águas e voavam golfinhos a caminho da Barra.
O José Quitério a falar dos prazeres de uma caldeirada, à fragateiro, na “Floresta do Ginjal”, com fragatas a entrarem-lhe pelos olhos dentro.
O grito das gaivotas, o vai-vem dos cacilheiros, um estado de espírito ondulado.
Esta fotografia deslavada foi tirada com um caixote-kodak,  a minha primeira máquina fotográfica, prenda, pelos meus 15 anos, do António Colaço.
Memórias doces e afáveis.»
 
[Sammy, in “Cais do Olhar”]


(Fotografia e texto publicados no blogue "Cais do Olhar", a 11 de Janeiro de 2011)


sexta-feira, 26 de julho de 2024

"Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto"


«Vitorino emagreceu, o bigode foi-se-lhe tornando todo branco. Um belo dia, juntou-se com Vera Quitério, no velho apartamento das Avenidas, e passou também a dizer "era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto".

Uma ocasião, Jorge Matos encontrou-o e dirigiu-lhe pela quinquagésima vez a pergunta que todos os comunistas de todo o Mundo já se fizeram, no íntimo, pelo menos quatrocentas vezes: "que significa ser comunista, hoje?". Vitorino recolheu-se, sisudo, durante um momento brevíssimo. Depois, abriu um sorriso jovial, de orelha a orelha, e deu-lhe uma palmada sonora nas costas: "É pá, tem calma, pá!", disse.

E o Tejo continuou a correr, e os tempos a não haver meio de os parar.»

 

[Mário de Carvalho in "Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto"]

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


domingo, 30 de junho de 2024

"No Fundo do Tejo"


No Fundo do Tejo


Fecho os olhos e vejo
No fundo Tejo
Uma coisa que oscila ao sabor da corrente
Que vai e vem, que deambula rente
Às pedras e conchas macias e frias.
Dias e noites, noites e dias.

Uma coisa que as águas desfazem sem nojo,
Levando-a de rojo
No fundo do Tejo:
Uma coisa que eu vejo,
Uma coisa que eu sinto e não sei o que é,
- Tão longe de mim, tão fora de pé!
[...]

Uma coisa que anda de cá para lá,
De lá para cá,
No fundo do Tejo:
Sem rumo, sem dono, sem nome, sem graça.
- Inútil e triste, como a carcaça
De um caranguejo.

Uma coisa disforme, insensível, alheia.
- Mas que escreve, sem querer, o nome meu na areia!

[Carlos Queirós, in "Desaparecido"]

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)


sexta-feira, 28 de junho de 2024

"A Água-Furtada"

 

A Água-Furtada

«Mas a vista era o melhor do quarto. Daquela água furtada seguia-se o Tejo por aí acima, desde o mar até perder-se à esquerda. Em redor as casas ficavam devassadas por aquela janela de telhado e as traseiras dos prédios com a actividade das criadas davam ao Antunes a impressão de entrar no segredo dos andares. Uma por uma, cada janela por onde os seus olhos entravam sabiam-lhe a ninho.

A cama de ferro, a mesa de pinho, a cómoda indigente, o lavatório inventado e o espelho da lata justo para a cara... não havia mais remédio do que ir recompensar-se no panorama.

Do seu novo quarto. Lisboa parecia ao Antunes uma cidade desconhecida com as traseiras de fora. Interiormente, parecia-lhe que a sua vida acabava de bem merecer aquele franciscanismo. Mas o verdadeiro merecimento deste novo quarto para o Antunes consistia em que tudo o que a ele tinha acontecido até esta água-furtada era para rasgar. Só depois de bem rasgado tudo o que de até este quarto é que Antunes poderia então começar a pensar na maneira de arranjar para si uma nova alma mais competente.»

[Almada Negreiros, in "Nome de Guerra"]


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, 30 de maio de 2024

Canto Décimo - 144

 

Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que naceram, sempre desejado;
Entraran pela foz do Tejo ameno,
E à sua Pátria e Rei temido e amado
O prémio e glória dão por que mandou
E com títulos novos se ilustrou.

[Luís de Camões, In "Lusíadas"]


(Ilustração de Lima de Freitas)


quarta-feira, 29 de maio de 2024

Canto Décimo - 10

 

Cantava a bela Deusa que viriam
Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,
Armadas, que as ribeiras venceriam
Por onde o Oceano Índico suspira;
E que os Gentios reis que não dariam
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Provariam de braço duro e forte,
Até render-se a ele ou logo à morte.

[Luís de Camões, in "Lusíadas"]


(Ilustração de Lima de Freitas)