sábado, 30 de março de 2024

"Felizmente..."


Felizmente as palavras às vezes também diminuem,
o mar, por exemplo,
para caberem nele os náufragos e os rios.

Sobretudo o Tejo
do tamanho dos corpos das crianças
com a água dentro das sacolas
a aprenderem para sereias
com cantigas e rondas
no giroflé das areias.

Eram levadas em rebanhos
de chapeladas redondas
para a fraternidade dos comícios dos banhos.

Enquanto as mães de xaile,
felizes de sol salgado
assistiam ao baile
dos filhos com as ninfas ainda sem seios de ondas.


[José Gomes Ferreira, in "Poesia VI"]


(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


                                          quinta-feira, 28 de março de 2024

                                          "Lembro-me de Repente..."


                                          «Lembro-me de repente é de quando morávamos em S. Pedro de Alcântara. Tínhamos lindas vistas para o jardim, para a Graça e o Castelo, cheios de sol, e mesmo para os longes do rio na hipótese de um apetite viageiro. Mas, como todas as vistas, mesmo as bonitas, deixámos logo de as ver.»


                                          [Vergílio Ferreira, in "Em Nome da Terra"]


                                          (Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


                                          quinta-feira, 21 de março de 2024

                                          "Lisboa Pequenina"

                                           

                                          Lisboa Pequenina (fado)


                                          Oh, Lisboa pequenina
                                          és um pregão de varina
                                          a menina dos meus olhos
                                          põe-me um braço na cintura
                                          dá-me um beijo com ternura
                                          veste uma saia de folhos

                                          Pus no dedo uma aliança
                                          mandei vir uma criança
                                          que é filha da Madragoa
                                          outra linda assim não vejo
                                          fui baptizá-la no Tejo
                                          dei-lhe o nome de Lisboa
                                          […]


                                          Tiago Torres da Silva


                                          (Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

                                           

                                          terça-feira, 19 de março de 2024

                                          Queria embarcar num cacilheiro e navegar..."


                                          «Olhou a janela do quarto da residencial, descobriu uma rua pouco movimentada que o confundia. Ao longe esperava-o um quadro diferente, o Tejo das horas boas e das horas más.

                                          Voltava a sentir um desejo avassalador de percorrer as ruas de Lisboa e olhar ninfas que prometiam coisas que nunca cumpriam. Parar em esplanadas carregadas de inúteis que apenas sabiam contar anedotas com barbas e conversar sobre o tempo. Queria embarcar num cacilheiro e navegar no rio grande que transformava a capital numa ilha.»

                                          [Luís Alves Milheiro, in "Bilhete para a Violência"]


                                          (Fotografia de Luís Eme - Tejo)