quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

As "Lavadeiras" do professor Américo e do Tejo...


Parece quase ficção, o que acontecia na primeira metade do século vinte (e em tempos mais antigos claro...), na "Praia das Lavadeiras", hoje conhecida internacionalmente pelos muitos turistas que vêm propositadamente ao Ginjal, para almoçar, petiscar ou jantar à beira Tejo, nos dois restaurantes mais apetecíveis da margem sul do rio.

Provavelmente chamam-lhe a "praia dos restaurantes"... Mal eles sonham que bastava abrir uma pequena cova, na maré-baixa, para que daquela areia pouco límpida, brotasse água doce. Água que era aproveitada pelas mulheres de Almada e Cacilhas, para lavarem a sua roupa branca, que depois ficava ali a "corar", ao sol...

Atrás da história e da amizade, deixo-vos o poema, "Lavadeiras", de Américo Morgado, professor e amigo desta nossa margem, com saudades dos nossos cafés, sempre acompanhados por palavras simples e sábias...

 

Lavadeiras
 
Lavadeira de Cacilhas
trouxa branca, levais
ao rio Tejo azul correndo
vai pro mar manso demais
á espera dos teus olhos
cor de mel, a doçura
a loucura da tua roupa
invejada brancura.
As cantigas e as brigas
alegria, ciúme
é dança, gritos, queixume
da pobreza malvada.
 
Suave cotovelada.
 

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

"Olhar o Tejo a pensar num verso de Pessoa"...


A minha homenagem a Eduardo Lourenço, uma das grandes figuras da cultura portuguesa do nosso tempo. Talvez um dos melhores exemplos do que é um intelectual, essa figura em extinção na sociedade portuguesa.

Numa entrevista ele falou do Tejo, numa situação muito especial (pelo lugar e pelo tempo que se vivia...), que transcrevo com a devida vénia:


«A única vez em que estive na [Rua] António Maria Cardoso [sede da PIDE], no famoso terceiro andar, um andar de más recordações para muita gente, estava um dia maravilhoso. Eu olhava o Tejo e lembrava-me de um verso do Pessoa (já naquela altura). Vem um rapaz: “Ó Sr. Dr., está em França. Não me pode arranjar lá um emprego?”. Isto não se acredita. “Ó homem, você está aqui tão bem... Vão ao cinema e andam nos carros eléctricos de borla.” Um bocado cínico da minha parte... Mas aquilo não era uma brincadeira. Muita gente pagou caramente, eram militantes a sério.»


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)